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Empresas devem assumir responsabilidades que contribuam com o acesso e a melhoria da educação, avanços em saúde e proteção do patrimônio natural
Assegurar o desenvolvimento sustentável da sociedade não é um compromisso restrito aos órgãos públicos. A complexidade, urgência e abrangência desse desafio exige que o mais amplo espectro de organizações da sociedade civil aporte ideias, desenvolva soluções, mobilize e invista esforços humanos e financeiros em benefício coletivo. Esse trabalho conjunto precisa ser direcionado a diversas áreas para que tenhamos uma sociedade que se desenvolve com segurança e sustentabilidade, capaz de enfrentar desafios nas vertentes social, econômica e ambiental.
Diante da crise econômica que vivenciamos em diferentes países, torna-se cada vez mais emergente o envolvimento de outros atores para contornar dificuldades em áreas essenciais para o bem-estar da população e para o progresso do País. Nesse cenário, empresas podem – e devem – assumir responsabilidades que contribuam, por exemplo, com o acesso e a melhoria da educação, avanços em saúde e a proteção do patrimônio natural. Assim, o Investimento Social Privado (ISP) mostra-se como um caminho e uma ferramenta disponível às organizações para materializar esse propósito de interesse público, com resultados.
As fundações e institutos, que são organizações que praticam a filantropia de forma estruturada e estratégica com recursos provenientes da iniciativa privada ou de patrimônios familiares, usualmente prestam contas de seus avanços a seus beneficiários, doadores, mantenedores e sociedade em geral.
Além do benefício para a sociedade, as empresas que promovem esse tipo de investimento tendem a conhecer melhor e se conectar mais profundamente com os desafios e as expectativas de seus públicos; qualificar suas decisões e estratégias de negócio e, consequentemente, fortalecer a reputação corporativa. Um estudo da agência internacional de relações públicas FleishmanHillard aponta que 70% dos consumidores optam por produtos e serviços de empresas que geram impacto social e ambiental positivo e consideram esse um fator determinante no momento da compra.
Para esse ciclo positivo acontecer, o Investimento Social Privado deve ser coerente com as diretrizes e valores das empresas para promover transformações efetivas de valor compartilhado na sociedade. Contradições entre a causa encampada e as decisões cotidianas dos negócios são facilmente identificadas e viralizadas, gerando danos irreversíveis para as marcas. Por outro lado, posicionar-se a favor de compromissos socioambientais enfatiza a responsabilidade social e a conduta ética das empresas – ativos que também são repassados a colaboradores, fornecedores e clientes.
Avaliando o ISP praticado no Brasil, a balança tem pesado para um mesmo lado. Segundo levantamento do GIFE, entidade que agrega os principais investidores sociais do Brasil, 90% dos investimentos dessa natureza são injetados no segmento da educação. É inegável que a educação é extremamente relevante para o desenvolvimento da nação, como também é inegável que outras áreas também precisam de recursos provenientes da filantropia para serem fortalecidas, como mudanças climáticas, migrações e refugiados, igualdade de oportunidades para todos, entre outros.
O GIFE lista oito segmentos prioritários que demandam recursos. Um deles é a sustentabilidade dos municípios. Em um cenário de crescimento acelerado das cidades, a previsão é de que, até 2030, a área urbana ocupada triplicará. No Brasil, hoje, 84% da população já vive em áreas urbanas e a tendência é desse número aumentar. Esse movimento para os centros urbanos precisa ser acompanhado por estratégias estruturantes – inclusive com o suporte de investimentos privados de longo prazo e participação de instituições da sociedade civil – para agregar Soluções baseadas na Natureza como forma de minimizar impactos negativos ao meio ambiente e também oferecer condições dignas de moradia e serviços básicos para toda a população.
Outro segmento listado é a preocupação com o clima. O Brasil foi responsável por 4% das emissões brutas globais de gases do efeito estufa nos últimos 16 anos. O crescente consumo de combustíveis fósseis no mundo tem grande impacto na emissão de gases e principalmente no aquecimento do planeta. Já é possível observar mudanças nos padrões climáticos e na frequência de eventos climáticos extremos, como o aquecimento de águas oceânicas, o derretimento das geleiras, estiagens e temporais mais intensos, furacões e nevascas mais agressivas. Nesse cenário, recursos vindos de Investimento Social Privado poderiam contribuir com a adaptação da sociedade aos impactos da crise climática.
A segurança hídrica foi outro item identificado como prioritário. Essencial para a vida, a água está associada ao desenvolvimento humano adequado e ao exercício da cidadania. Desse modo, o ISP tem um papel estratégico, atuando de modo transversal e considerando que a segurança hídrica atinge outros segmentos, como saúde, educação, economia e meio ambiente.
As universidades e os institutos de pesquisas estão repletos de projetos e especialistas com soluções sustentáveis. Estudos disponíveis na internet, como os guias sobre Água e Clima desenvolvidos pelo GIFE, são acessíveis a todos. É preciso que as organizações do terceiro setor promovam inovações e busquem resultados concretos e em larga escala e, com isso, despertem o interesse nas empresas para que se tornem protagonistas nas regiões em que atuam e invistam em pesquisas e estratégias que promovam o bem-estar social e o desenvolvimento econômico sustentável. A necessidade, os desafios e as soluções existem, precisamos ativar investimentos para que a realidade seja transformada.
* Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação e diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza