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Por que o desmatamento da Amazônia voltou a crescer?

​Confira um artigo produzido por Carlos Nobre, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Confira um artigo produzido por Carlos Nobre*, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. A Rede é uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. 

Durante a reunião da Convenção Climática de 2009 (COP15), em Copenhague, o Brasil surpreendeu o mundo ao se comprometer voluntariamente a reduzir a tendência de aumento de suas emissões de gases de efeito estufa. O principal elemento desta política de sustentabilidade seria uma redução acentuada dos desmatamentos da Amazônia, projetados para cair abaixo de 3,9 mil km2 ao ano até 2020. Esta política sinaliza um claro comprometimento do país no combate ao aquecimento global. O aumento da temperatura do planeta se acelerou nos últimos anos. 2015 e 2016 registraram as mais altas temperaturas globais do registro histórico dos últimos 150 anos.

Por cerca de 10 anos até a celebração do Acordo de Paris da Convenção Climática em dezembro de 2015 (COP21), a melhor notícia ambiental global ano após ano era a redução de desmatamentos na Amazônia: a taxa anual de desmatamento na Amazônia brasileira despencou de impensáveis 28 mil km2 em 2004 para  4,6  mil km2 em 2012, uma redução de 83% e oscilou entre 5 a 6 mil km2/ano até 2015. Esta tendência de estabilização, entretanto, parece ter sido revertida este ano. Os desmatamentos em 2016 medidos pelo sistema PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registraram quase 8 mil km2. A Figura 1 compara a distribuição e intensidade dos novos desmatamentos em 2014, 2015 e 2016. Nota-se a existência de duas frentes bastante ativas em todo o período, intensificada em 2016.

Isso sinaliza uma possível reversão do processo, indicando o início de um novo ciclo de alta nas taxas de desmatamento? 

Em primeiro lugar, é preciso identificar as causas principais da redução dos desmatamentos pós-2004. Um grande número de estudos científicos descartaram o que se pensava até 10 anos atrás ser a força principal da dinâmica dos desmatamentos, isto é, o preço das commodities agrícolas carne e soja e o aumento da demanda global por estes produtos. A produção agropecuária da Amazônia cresceu ininterruptamente enquanto os desmatamentos despencavam. 

Estes estudos também identificaram a implementação efetiva de políticas públicas de controle e redução de desmatamentos como o elemento indutor da queda. Considerando que a quase totalidade dos desmatamentos é ilegal, esta política foi enérgica em atacar frontalmente a ilegalidade com ações do IBAMA, Polícia Federal e Ministério Público (MP) de fiscalização e desbaratamento de crime organizado, principalmente quadrilhas de extração ilegal de madeira e grilagem de terras públicas. A esta ação continuada de comando e controle, foram acrescidas políticas de restrição de créditos e subsídios a práticas insustentáveis e de criação de áreas de proteção e regularização e demarcação de terras indígenas. 

Por fim, a atuação de conscientização para o consumo responsável e sustentável alavancou acordos como o da moratória da expansão da soja para áreas de florestas desde 2006 e o do MP com grandes cadeias de frigoríficos e de supermercados de rastreabilidade de origem da carne e não aquisição de produtos originários de áreas desmatadas ilegalmente. 

Ferramentas modernas de observação das alterações da vegetação a partir de sensores a bordo de satélites—desenvolvidas pioneiramente no Brasil pelo INPE—detectam quase em tempo real os desmatamentos ilegais e têm sido fundamentais para coibi-los pelos órgãos ambientais. O avanço tecnológico é notável na nossa capacidade de observar a Terra remotamente. Artigo na revista Science desta última quinta-feira pelo pesquisador americano Greg Asner e colegas reporta o uso de nova tecnologia a partir de imagens a laser obtidas por aeronaves que discriminam áreas de máxima biodiversidade na Amazônia peruana e Andes prioritárias para conservação, indicando aquelas sob maior risco de desaparecerem por ações humanas.

Dois fatores podem estar na raiz do recente aumento dos desmatamentos. Em primeiro lugar, está comprovada uma relação direta de causa e efeito entre ações de fiscalização e desmatamento. As crescentes restrições orçamentárias dos governos federal e estaduais devido à queda de arrecadação interromperam ou atrasaram ações de fiscalização e combate a ilegalidades.

Em segundo lugar e de maneira mais subjetiva um outro fator pode ter contribuído ao aumento dos desmatamentos: efeitos de mudanças na legislação ambiental. O novo Código Florestal aprovado em 2012 trouxe alguns aspectos positivos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas, por outro lado, carregou nas tintas da desregulamentação e perdoou em grande parte os desmatamentos ilegais cometidos até 2008, sinalizando que, em algum momento do futuro, novos desmatamentos ilegais serão perdoados.

Da mesma foram, embora hoje cerca de 55% da área de floresta da Amazônia esteja sob alguma forma de proteção, recentes alterações nos limites de áreas protegidas na região também sinalizam o balanço desigual de forças entre interesses privados (agronegócio, mineração e obras de infraestrutura) e públicos na região. Além disso, muitas das unidades de conservação continuam não consolidadas e fragilmente implementadas de fato. 

Como dizia a geografa Bertha Becker, coexistem diferentes tempo-espaços na Amazônia. Enquanto em alguns lugares existem iniciativas de intensificação e inserção em cadeias de mercado certificadas, em outros sobrevive a mentalidade de fronteira, a grilagem, a violência rural.  Em tal realidade, se explica, por exemplo, a resistência de grandes proprietários de terra à divulgação de CPF no CAR—informação esta que é pública—assentada no temor de que produtos sem certificação de origem serão evitados pelo consumidor consciente, uma tendência irreversível no mundo globalizado e digital. 

As áreas desmatadas na Amazônia brasileira já chegam a quase 800 mil km2, mas  com uma produtividade agrícola média que não ultrapassa 30% daquela da agricultura do Estado de São Paulo, por exemplo. Estudos recentes mostram ser factível atender a demanda por produtos agrícolas sem desmatamentos adicionais—não apenas na Amazônia, mas em todos os biomas brasileiros—através de aumentos de produtividade, em especial nas áreas de pastagem. 

Os desmatamentos ilegais devem ser duramente combatidos e sem tréguas e a rede de áreas protegidas fortalecida. Ainda que o quadro recessivo presente possa impor dificuldades de ações que dependem de orçamentos públicos, vivemos um momento único de nossa história em que a população aspira que o Brasil adentre finalmente o rol de um Estado democrático de Direito. Uma das consequências diretas será a manutenção da floresta Amazônica, sem diminuir nosso potencial como grande produtor de alimentos. Somente um conjunto de ações integradas, visando áreas públicas e privadas, poderá controlar, e idealmente, zerar o desmatamento e a degradação na Amazônia e demais biomas. 

*Carlos A. Nobre, professor de Pós-Graduação do INPE, pesquisador colaborador do CEMADEN, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza

Ana Paula de Aguiar Dutra, pesquisadora do INPE

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